domingo, 5 de março de 2017

O último jogo

Faz hoje 1 ano que ocorreu o derby do título de 2016.
Faz hoje 1 ano que a humildade venceu a soberba.
Faz hoje 1 ano que escrevo o último jogo, aquele que já não vimos.
A memória da integridade do que nos é passado é o sinónimo da decência.
Quando naquele dia longínquo cheguei da escola tinha uma bola de “catchu” vermelha e branca na minha cama, as cores que queria que tivessem, não estavas lá porque tinhas o teu dever.
E saíamos quando éramos só 3 para rematar para ti e queria ser o Diamantino e o Chalana, o Carlos Manuel e o Néné, tu trocavas e mandavas-me ser o Bento e explicavas-me a força do Toni e o imperialismo do Humberto Coelho, a mãe tricotava e eu sorria, era feliz. Uma infância feliz em nós.
Quando fui à Luz antiga fomos juntos, mas as memórias dos jogos eram feitas sempre depois.
Quando chorei após o penalty do Veloso não estavas, eu queria que me abraçasses e me dissesses que era apenas futebol, mas quando chegavas ele repetia, acabava por marcar e tudo começava novamente.
Quando o Vata empurrou a bola e os mais de 120 mil a cabecearam, estava sozinho e eu explicava-te depois. O que tinha sentido e como tinha sido, porque não estavas. Tinhas o sonho da família às costas no trabalho.
Quando o César Brito marcou nas Antas, lá estavas a trabalhar e eu descrevia como tinha sido, a chuva que caía, e tu explicavas a cepa de que são feitos os beirões, nunca quebrar, nunca desistir. Não importa como se começa, mas como se acaba. Não importa quão lento vais, mas que nunca pares.
Quando do 6-3 gritava e corria sozinho, eu queria que estivesses lá para discutirmos o João Pinto, a força do Isaías, e descrevi-te tudo quando chegaste.
Crescia-me o benfiquismo exultante e tu amparavas-me e descia-me a luz da razão e dizias que era só um jogo. Só um jogo e uma equipa maravilhosa.
O benfiquismo realista e magnânimo. A glória está em nós e no nosso dever na equipa.
Quando eu afirmava que com a eleição daquele cujo nome não o digo nos encaminhava para a desgraça, tu dizias que se calhar tinha razão, mas que por vezes também temos de escolher mal para sabermos decidir bem no futuro.
Quando vi o Luisão a voar sobre o Ricardo estava com o meu amigo para sempre ausente a festejar e quando cheguei a casa contava-te tudo. E discutíamos e concordávamos e o Benfica éramos nós.
O Benfica sempre fomos nós.
Quando te levei à nova Luz com a outra luz dos teus olhos, os nossos olhos tocavam-se e fazíamos a plenitude das gerações. Foi imensamente feliz nesse dia.
Este “Benfica” em nós era maravilhoso, eu queria sempre partilhar contigo quando não estavas, porque assim fazia mais sentido, como aquele pai no “Locke” que no meio do turbilhão da vida continuava a falar com o filho da vitória do seu clube de futebol e queria continuar a perpetuar aquele momento.
Aquele último jogo não o vi nem tu o viste. Nunca o veremos. Aquele último jogo seria especial – e acabou por o ser – não pela vitória mas por eu estar contigo.
Tu estavas imóvel e eu imóvel estava contigo.
Nesse dia não houve derby mas levaste uma vitória. Ali.
Hoje um ano depois a espiral da vitória continua. E eu continuo à tua espera, que chegue ao teu lado e te diga como foi. Melhor, que à semelhança do ano passado pudesse estar a festejar comedidamente e a sorrir a teu lado, porque esse era sempre o nosso desejo.
Agora aquele miúdo que se enchia de alegria quando chegava a teu lado para te contar como o Benfica tinha ganho vai estar sempre à espera, porque hoje compreendi que partilharei sempre a vitória quando olhar a infinidade do momento.
Com saudade e orgulho, a integridade e o sorriso que me ensinaste.
Hoje sofro na alegria.
Faz 1 ano que o Benfica venceu o derby. Faz 1 ano que nos deixaste.
Estamos bem, velhote…
Afinal ainda somos campeões!

1 comentário:

  1. Belo texto Rui! Faz hoje 1 ano que o seu "velhote" está a torcer no 4o anel!
    Tiago

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