segunda-feira, 22 de abril de 2013

A verdade, a ética, a estética e a história.

Um derby é um derby. Ontem foi apenas mais um, poderíamos dizer, igual a tantos outros. Com emoção, penaltis por assinalar, cartões, decisões acertadas, outras erradas, falhanços e golos. Dois golos. Aliás, um golo e uma obra de arte.E foi nisto que este derby foi diferente. O golo de Lima precedido da jogada de Gaitán foi algo que nem sempre se vê num jogo de futebol e agradeço a Nicolas Gaitán por me lembrar porque é que gosto de ver bola

Mas antes voltemos ao que o derby foi igual aos outros.

O Benfica, a exemplo de muitos jogos nesta época, entra mal. O Sporting superioriza-se no meio campo e o Benfica tem dois pontas de lança perdidos lá na frente com o Matic sozinho no meio de uma floresta verda sem ajuda do Enzo no meio campo. O Sporting ocupa bem os espaços e não deixa o futebol das asas da águia funcionar. Sporting surpreende com dois bons putos, Bruma e André Martins, a moer a cabeça à defesa do Benfica. Esta é a verdade. Mas também é verdade que nesta primeira parte de domínio do Sporting isso não se contabilizou em números. Nos primeiros 45 muitos o Benfica tinha 6 remates e um golo e o Sporting apenas 2 remates. O Artur pouco trabalho teve. Na segunda parte reequilibrou-se os movimentos no campo, o Lima libertou-se mais na esquerda, obrigou o Sporting a abrir a defesa e o Jesus percebendo as mudanças de Jesualdo reforça o meio campo, metendo o Gaitán no meio. É depois dessa alteração táctica que surge isto:

Não preciso de fazer mais comentários.



Passemos ao elefante na sala.

O penalti não assinalado ao Maxi Pereira por derrube ao Capel na área do Benfica logo no início cuja marcação poderia ter condicionado os destinos da partida..

Ontem à noite discutia nas caixas de comentários do Facebook com um amigo sportinguista que reclamava por justiça acerca da perfeição estética do golo do Lima. Ele contra-argumentava que a estética nunca pode sobrepor-se à ética e que a beleza da jogada do golo de Lima não pode apagar o facto do Sporting ter sido prejudicado.

É uma visão kierkegaardiana da existência em que o estádio estético é hierarquicamente inferior ao estado ético. Poderia dizer aqui que sou mais nietzscheano e defender que a existência humana só faz sentido de um ponto de vista estético, mas estaria a ser desonesto.

Estaria a ser desonesto porque quando o Benfica é roubado (e já o foi muitas vezes) também protesto veementemente e clamo por justiça e ética. É quando aparecem os nietzscheanos todos do futebol a clamar pela superioridade indesmentível da sua equipa, do jogador, etc. argumentando que este ou outro erro é irrelevante perante a superioridade vincada na vitória

Há aqui duas maneiras de ver um jogo de futebol como um derby ou um clássico. Ou vemos determinado jogo isoladamente em que vale apenas o que se passa em 90 minutos e fazemos apenas a elencagem do que se passou unicamente ali, a cada momento e aí podemos avaliar que o penalti não assinalado de ontem condicionou o jogo todo, ou podemos fazer um levantamento histórico de todos os momentos semelhantes em todos os derbys e todos os clássicos o que anular-se-ia por si próprio.

Nem todo o mar nem toda a terra. Não querendo ser mesquinho apetece-me no entanto ter uma coisa favorita dos portistas que é a memória selectiva, e gostaria de lembrar aos meus amigos sportinguistas que roubos de igreja não são exclusivos do Benfica nem se reduzem ao dia de ontem.

Lembro-me particularmente de um Benfica-Sporting em 2001, o último derby a velhinha Luz, onde um dos maiores artistas do futebol (ponto de vista estético) Mário Jardel, inventa descaradamento um penalti ao Caneira, mergulhando perfeitamente dentro da grande área do Benfica, a cinco minutos do fim, quando estava a perder 2-0. Depois do penalti marcado Jardel descobre outro golo ao cair do pano e empata o jogo.

Nesse ano o Sporting é campeão com o Jardel a marcar 42 golos, a terceira melhor marca de sempre, igualando o Eusébio e a apenas 1 do Peyroteo e a 4 do Yazalde.

Os nietzcheanos do Sporting afirmarão sempre a superioridade estética e numérica de Jardel na grande área num ano em que esse empate pouco significou para o Sporting ou para o Benfica - na altura a atravessar o deserto - nas contas da beleza do último título do Sporting. A ética desse jogo perdeu-se na história porque o Sporting ao longo desse campeonato foi claramente superior e resta aos kierkegaardeanos do Benfica ficarem a clamar por justiça e ética.

Ora como a história é coisa que se repete mas em cores diferentes desta vez foi um Sporting a com uma época irrelevante e a 34 pontos do Benfica a reclamar pela ética.

E com razão.

Preferia que a vitória do Benfica não tivesse essa mácula. Preferia ter uma superioridade estética e ética, para além da evidente numérica. Não tenho. Houve um erro de arbitragem que manchou o jogo. Mas olhando para trás no tempo e na história, apesar de os erros não anularem outros erros, daqui a uns anos quando num derby o Benfica for outra vez roubado os sportinguistas vão olhar para trás e acusar-nos do roubo do Capela para anular qualquer crítica que possa ser feita.

O problema da ética e verdade desportiva é que só pode ser aferida retroativamente e depressa é anulada pelas contas no final de cada época.

Assim como hoje o que os sportinguistas se lembram dessa época de 2001 é dos números do Jardel e do título e os benfiquistas só se lembram desse roubo descarado, o que irá acontecer no futuro será o mesmo mas com troca de papéis.

 É justo? Não. O futebol não é no entanto um debate filosófico acerca do certo e do errado. O futebol são golos e a não ser que me digam que o Benfica pagou milhares ao Capela para não assinalar penaltis contra o Sporting, aí sim um problema ético e criminal, no futebol ganha quem marca mais golos, independentemente dos erros dos árbitros. E o Benfica ontem marcou dois, um deles uma obra de arte, um hino ao futebol.

Mais uma vez, obrigado Gaitán.



2 comentários:

  1. Caro amigo e consócio deste blog, perante isto já não vou versar quase nada sobre o derby....disseste tudo! Acrescento só o que se passou há um ano precisamente...http://geracaobenfica.blogspot.pt/2013/04/a-ver-se-acabam-com-choradeira-sim.html.
    Devo só acrescentar que na medida em que o Nico e o Lima faziam aquela obra de arte tu fizeste um stage diving de encontro ao LCD sem nunca deixares cair o copo de whisky... Foi épico grande Beto, foi épico!

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  2. Não falei do que se passou há um ano porque há um ano não havia contas diretas do título para o Sporting nem o Benfica foi campeão por culpa disso. Mas na época do Jardel o Sporting foi campeão com o Benfica a ser roubado nesse derby. é claro que a ética aí foi ao ar.

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